A escolha do parceiro
Dentro do tema “relacionamentos”, uma questão primordial pode ser sintetizada na seguinte pergunta: afinal, quais os fatores que determinam a escolha de um parceiro amoroso? Para começarmos a responder essa indagação precisamos olhar para a nossa família de origem pois é de lá que derivam os primeiros exemplos de relacionamento e de identificação com as figuras masculina e feminina.
A família sempre será o ponto de partida para modelos ou contra modelos pessoais. Se, admiramos qualidades nos pais ou em outros que fizeram esse papel, provavelmente haverá identificação. O indivíduo passa a desenvolver essas qualidades em si, o que interfere na busca de um parceiro de forma inconsciente, porque vai busca encontrar os mesmos aspectos no outro.
As heranças familiares estão longe de limitar-se a transferência de bens e dinheiro. São transmitidos também através das gerações, toda uma gama de valores morais, hábitos, cultura e crenças. Durante toda nossa vida, podemos observar e identificar os padrões herdados na convivência com as pessoas. Como em um espelho, o nosso “eu” é refletido pelo outro e as relações de qualquer tipo são oportunidades de reconhecimento dos padrões de comportamento e outros aspectos saudáveis e patológicos. Geralmente os conflitos e problemas relacionais agem como denunciantes dos aspectos mal resolvidos em nossa psique.
Existem duas formas básicas da escolha do parceiro: a escolha por semelhança ou por complementariedade. As semelhanças entre os casais podem ser por idade, escolaridade, origem cultural, área profissional, aspectos físicos, hobbies entre outros aspectos. De uma forma geral a escolha do parceiro com mais semelhanças e afinidades é considerada um facilitador para a harmonia no relacionamento. As relações complementares, ou seja, aquelas em que algumas características da personalidade são bem diferentes entre o casal tem sua forma especifica de funcionamento, e essa escolha revela motivações mais profundas do que podemos imaginar.
O que pode ilustrar esse ponto é o mito grego de Eco e Narciso. Eco era uma ninfa muito falante que andava pelos bosques. A última palavra tinha sempre que ser a sua. Um dia a Deusa Juno procurava pelo marido, desconfiada que o mesmo divertia-se entre as ninfas. Eco resolveu entreter a deusa para que suas amigas ninfas pudessem se esconder de Juno. Juno percebeu o fato e com raiva, lançou uma maldição a Eco. Ela continuaria tendo a última palavra, mas nunca mais a primeira. Eco poderia apenas repetir a ultima palavra ou frase que escutasse de alguém, impossibilitada de comunicar-se de outra forma. Um dia viu Narciso em caçada pelas montanhas e apaixonou-se por ele. Desejava lhe dizer palavras de afeto, mas não podia, só podia repetir o ele lhe dizia. Narciso tentou conversar com ela em vão, pois somente ouvia de sua boca a última palavra que tinha pronunciado. Desprezou Eco assim como todas as outras ninfas também atraindo para si uma maldição que o levou a definhar, pois ficou enfeitiçado por sua imagem refletida nas águas de um rio.
Este mito diz sobre a escolha do parceiro de uma forma muito idealizada, possuidor de características narcísicas acentuadas. Na relação, o outro precisa funcionar como um eco para a manutenção de seu narcisismo isto é: precisa “refletir” e ecoar sua personalidade. Em maior grau, essa pode ser uma relação de muita desigualdade onde o outro sacrifica seus projetos pessoais, desejos e sonhos priorizando os de seu companheiro. Quando existe uma patologia narcísica grave, a relação pode conter abuso e violência física e psicológica.
Sempre tentaremos buscar em um parceiro o que nos falta, e na maioria das vezes faremos isso de forma inconsciente. O parceiro afetivo será designado a suprir todas as lacunas existentes ou resgatar o paraíso perdido das primeiras relações objetais e eliminar o vazio existencial. Deposita-se no parceiro a árdua e difícil tarefa de sanar as mazelas emocionais, resultado de falhas do desenvolvimento e amadurecimento, iniciados desde o nascimento. A trajetória do desenvolvimento e amadurecimento pode estar contida por vários fatores: doenças físicas e mentais na família, situações de privação afetiva, pobreza extrema, negligencia nos cuidados básicos, violência familiar, abuso e dependência de álcool e drogas na família. A figuras materno/paterna introjetadas e, a forma que foi vivenciada a conflitiva edípica irão ditar o papel que se espera que o parceiro ocupe na relação e também a forma com que o indivíduo adulto se relaciona com sua família de origem.
Os conflitos gerados decorrentes do relacionamento afetivo é uma grande oportunidade de autoconhecimento. A partir da angústia e dor emocional provocadas pelos problemas de relacionamento, muitas pessoas buscam a psicoterapia e iniciam aí uma grande jornada em busca de si mesmo. O campo relacional é uma grande oportunidade de individuação.